quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Carta de Fantasma

...essa é um pouco grande mas vale muito a pena...

Naquele dia Seu Jorge acordou com uma vontade estranha que não tinha faz tempo:
- Vou visitar meus irmãos em São Paulo.
Arrumou-se, desceu as escadas, preparou seu café na cozinha, enquanto seu filho que morava com ele acordou:
- Bom dia pai, fazendo o que acordado há essa hora?
- Vou ver seus tios em São Paulo.
- Mas hoje? Está chovendo muito pai, tem que pegar a estrada e tudo mais acho que é perigoso.
- Não importa o tempo, hoje vou pra São Paulo, ver meus irmãos e pronto.
Como sabia que era difícil argumentar com seu pai, um senhor de 89 anos, ateu, lúcido, que passou pela primeira e segunda guerra mundial, e que quando queria fazer alguma coisa, fazia, Ricardo decidiu levar o pai até a rodoviária.
A caminho de São Paulo, Seu Jorge pensava que há muito tempo não encontrava os irmãos. Chegando em São Paulo, Seu Jorge deparou-se com uma verdadeira inundação.
- Que droga! Porcaria de cidade!
Conseguiu um táxi e pediu que “tocasse” para Vila Madalena, na casa de seu irmão José. Chegando lá ficou um pouco tímido na hora de tocar a campainha, mas foi em frente. Quando José abriu a porta foi aquele verdadeiro susto:
- Jorge? Você por aqui? Que surpresa boa, entre meu irmão, que saudades, vem cá, me dá um abraço, quanto tempo...
Seu Jorge entrou na casa do irmão que não via há mais ou menos 10 – 12 anos, não porque brigaram, mas são aquelas coisas da vida que afastam as pessoas e ninguém sabe o porquê. Mas se falavam de vez em quando, por isso, um mínimo de intimidade ainda era possível. Quando entrou na sala ele viu um grupo de pessoas sentadas em volta da mesa e parou, sendo empurrado por seu irmão que fazia sinal de silêncio com o dedo na boca:
- Por favor, Jorge faça silêncio porque estamos no meio de uma reunião espírita. Essa é Carmem e ela psicografa cartas de espíritos que queiram mandar alguma mensagem para alguém daqui.
- Que besteira é essa José, está acreditando nessas coisas de fantasma agora? Deixa de ser bobo homem, cresce.
- Respeito, por favor, Jorge a coisa é séria.
- Está bom, vou ficar ali então, não vou incomodar ninguém.
Depois de algum tempo para sua surpresa a tal de Carmem pergunta em voz alta:
- Quem é Jorge?
Seu Jorge meio sem acreditar nem responde, só olha para aquela senhora bem arrumada que escrevia cartas de olhos fechados.
- Quem é Jorge?
Ela pergunta de novo. José fala:
- É meu irmão, está ali no canto, o que você quer com ele?
- Tenho uma mensagem para ele.
E entregou uma carta para José, que prontamente passou a Seu Jorge. Na carta estava escrito: Flores pra você, mamãe. Quando Seu Jorge leu disse na hora:
- A senhora deve estar enganada, aqui está escrito: Flores pra você mamãe, e eu sou homem, tem algum engano aí.
- Não senhor, a carta é para o senhor mesmo.
Seu Jorge já estava irritado com toda aquela encenação e botou a carta no bolso e foi embora, meio bravo, e dizendo:
- Que isso! Sou homem e essa senhora vai me dar uma carta de flores pra você mamãe. E quer que eu acredite nisso ainda? Tá todo mundo maluco.
- Fica aí Jorge.
- Não José vou à casa de Maria que também faz muito tempo que não a vejo.
- Fica mais um pouco, está chovendo muito.
- Não vou embora, porque essa estória de carta de fantasma pra mim não cola, tchau!
- Tchau irmão, vai com Deus!
No caminho da casa da irmã, Seu Jorge não parava de reclamar:
- Flores pra você mamãe, que porcaria de carta de fantasma é essa?
Maria, sua irmã, era adepta do candomblé, desde cedo, por influência de uma grande amiga, que a levara desde jovem a descobrir os mistérios dessa religião que é uma mistura de sons, danças, crença e muito respeito aos espíritos.
Chegando na casa de Maria, Seu Jorge bate à porta e é recebido pela irmã que lhe dá um grande abraço de saudades:
- Jorjão que saudades meu irmão, entra, entra... Sílvio vem ver quem está aqui, vem ver...
- Oh Jorjão quanto tempo, e aí meu amigo tudo bom? Entra aí, vamos tomar uma cerveja...
Seu Jorge senta-se confortavelmente no sofá da bela casa de sua irmã e começam a conversar sobre coisas de infância e de quanto tempo não se viam.
- E seu filho Jorge como está?
- Está bem, está trabalhando com computador e ganhando dinheiro sem fazer quase nada, só fica apertado aqueles botões no teclado e fazendo uns desenhos na televisão do computador.
- E sua filha, Maria, como está minha sobrinha Heleninha, faz tempo que não a vejo.
Nesse momento, os olhos de Maria encheram-se de lágrimas e ela desabou num choro compulsivo e muito doído.
- Heleninha, minha filha... Heleninha, ano passado foi atropelada quando estava em Londres, não prestou atenção na hora de atravessar uma rua e morreu atropelada...
E chorou mais ainda, tendo que ser amparada por seu marido que também tinha os olhos cheios de lágrimas. Seu Jorge ficou muito sem graça e também muito triste com toda a história que sua irmã lhe contou, da viajem, de um curso que ela faria em Londres, da felicidade que estava em conhecer outro país, outra cultura, da possibilidade conhecer museus e lugares tão distantes para ela.
- Mas você não sabe o pior Jorge, todo dia quinze nós almoçávamos juntas, pra falar coisas de mulher, e ficar sabendo mais da vida de uma da outra. Então, hoje é dia quinze, e é a primeira vez que ela não vem almoçar comigo, está sendo muito difícil aqui sem ela, fico até vendo a imagem dela, vindo, sempre com um ramo de flores enorme na mão, e me abraçando e dizendo:
- Flores pra você, mamãe.
Nesse momento, Seu Jorge sentiu uma enorme dor no peito, de medo, susto, pânico, ou o que quer que seja, e sentou no sofá com a cara branca e sem conseguir falar. Ainda ouvia a sua irmã chorando, mas agora o choro parecia mais baixo e as palavras de sua irmã também, na verdade, seus pensamentos é que estavam altos e claros demais: a carta. Tudo o que Seu Jorge conseguia pensar era na carta. Quando se recuperou do susto levantou-se, tirou a carta do bolso de trás de sua calça e sem dizer nada, apenas entregou para sua irmã, que ainda chorando olhou a carta, leu e não entendeu direito o que estava acontecendo.
- Que é isso Jorge? Que brincadeira é essa?
Seu Jorge então explicou tudo o que havia acontecido na casa de seu outro irmão, da reunião, e tudo o mais. Quando terminou de falar, já estava num choro descontrolado e sem mesmo entender o porquê. Foi amparado por sua irmã, abraçaram-se, e choraram muito mais ainda por um bom tempo. Seu Jorge voltou aliviado e feliz para Santos e desse dia em diante passou a acreditar mais em seu irmão José e freqüentar as reuniões de Dona Carmem, agora também junto com Maria, que desde então tornou-se espírita e também acredita nas “cartas de fantasma” como ainda diz Seu Jorge.

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